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O surto pandémico Covid-19 apanhou de surpresa todo a população mundial e os seus governantes, peso embora os cientistas já estivessem a prever um evento deste tipo, há já algum tempo. Estudos que ligam a saúde dos Seres Humanos e da floresta remontam há mais de 40 anos, e as evidências têm apontado cada vez mais o dedo aos danos causados pelo Homem às florestas.

Em 2001, um estudo do Centro de Medicina Veterinária Tropical da Universidade de Edimburgo verificou que 75% de todas as doenças infeciosas emergentes nos últimos 50 anos são provenientes da vida selvagem. Estes são conhecidos como zoonoses e incluem HIV, gripe aviária H5N1, hantavírus, e mais recentemente, a Covid-19.

Pesquisas subsequentes associaram novas doenças infeciosas à desflorestação. Embora se concentrem em diferentes doenças e distintas regiões do mundo, esses estudos concluíram que, à medida que as florestas são destruídas, os animais que vivem nelas e podem transmitir doenças aos Seres Humanos, como ratos e morcegos, são forçados a deslocarem-se para áreas cada vez menores, aproximando-os dos Humanos e, consequentemente levando ao aumento da probabilidade de proliferarem doenças entre as espécies.

Um exemplo bem conhecido é a epidemia do vírus Ébola de 2014-16, que se estima ter matado mais de 13.000 pessoas desde sua descoberta em África, em 1976. Descobriu-se que a doença foi transmitida aos Humanos por morcegos frutíferos.

Uma pesquisa publicada na Nature em 2017, encontrou uma ligação significativa entre surtos de Ébola ao longo das margens das florestas tropicais e perdas florestais, nos dois anos anteriores, concluindo que a prevenção da perda de florestas poderia reduzir a probabilidade de surtos futuros.

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Uma ligação à desflorestação

A devastação causada às vidas e aos meios de subsistência por Covid-19, colocou um holofote crescente sobre a questão. À medida que os países em todo o mundo entraram em confinamento em março de 2020, a diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Inger Andersen, alertou que a natureza estava a enviar uma mensagem aos Humanos: "A erosão contínua dos espaços selvagens trouxe-nos desconfortavelmente para mais perto dos animais e das plantas portadoras de doenças, que podem ser transmitidas aos Humanos".

No início deste ano, os pesquisadores franceses Serge Morand e Claire Lajaunie fizeram a primeira tentativa de investigar, à escala global, se a perda e o ganho de cobertura florestal podem promover surtos de doenças zoonóticas. Este estudo examinou tendências globais entre mudanças na cobertura florestal nas últimas décadas e epidemias de doenças infeciosas em Humanos. Esta pesquisa documentou que o aumento de surtos de doenças zoonóticas e vetoriais de 1990 a 2016 estão ligados à desflorestação, principalmente em países tropicais.

Porém, ainda há muitas perguntas sem resposta. Julia Fa, professora de Biodiversidade e Desenvolvimento Humano da Universidade Metropolitana de Manchester, coautora do estudo sobre o Ébola e a desflorestação, disse que, embora houvesse uma forte ligação entre a perda de floresta e o Ébola, eles não sabiam o que tinha ocorrido nos dois anos entre os dois eventos.

"Essa é a pergunta de um milhão de dólares! A maneira mais simples de olhar para ela é que há um equilíbrio entre vírus, patógenos e animais e se de repente se interromper esse equilíbrio, os vírus crescem em número e se tornam muito mais ativos em certos períodos, e se houverem pessoas no meio haverá uma disseminação de vírus em animais, e depois de animais para pessoas", disse Julia Fa.

O aumento da atividade de vírus quando perturbado foi apelidado de "conversa viral" pelo pesquisador norte-americano Nathan Wolfe.

"Se o equilíbrio entre patógenos e receptores for quebrado, está-se a dar vantagem a certos patógenos sobre outros", continuou Fa. "A peça-chave que falta no quebra-cabeça são as ligações entre patógenos, animais e Seres Humanos, e o mecanismo que promove a onda de vírus", acrescentou. "Isso permitiria a previsão de futuros surtos." Fa e a sua equipa estão a trabalhar na compilação de todas as informações existentes, para desenvolver um mapa de áreas que provavelmente serão propensas a doenças.

"Mais pesquisas precisam ser feitas para descobrir quais vírus estão presentes em áreas que sofreram desflorestação há dez, cinco, dois anos e atualmente, por forma a entender o que está a acontecer com vírus e patógenos ao longo do tempo", disse ela.

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Reflorestamento precisa beneficiar a biodiversidade

Também foram encontradas ligações entre o reflorestamento e o surto de doenças, uma vez que a plantação de árvores também pode resultar em desequilíbrios numa floresta e aproximar animais e Humanos.

A pesquisa de Morand descobriu que esta situação era desencadeada sobretudo em países temperados, e foi causado principalmente pela plantações de monoculturas ou quando terras que antes eram savanas ou pastagens foram convertidas em florestas. "Programas de reflorestação, como o programa REDD+ da ONU – que incentiva os países em desenvolvimento a reduzir a perda e a degradação florestal e expandir as florestas existentes – precisam beneficiar a biodiversidade e a saúde humana, e não apenas focar nas alterações climáticas", disse Morand.

Para proteger efetivamente as florestas e prevenir a proliferação de doenças, especialistas concordam que os indígenas precisam estar ativamente envolvidos. As comunidades indígenas vivem de forma a preservar o equilíbrio dos seus ecossistemas e da sua biodiversidade.

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Sabedoria Indígena

A pesquisa publicada em 2017 identificou pela primeira vez a extensão global das terras indígenas e descobriu que elas geriam ou têm direitos de posse acima de pelo menos 38 milhões de km2 em 87 países ou áreas politicamente distintas em todos os continentes habitados. Isto representa mais de um quarto da superfície terrestre do mundo e cruza cerca de 40% de todas as áreas protegidas terrestres e paisagens intactas (por exemplo, florestas primárias boreais e tropicais, savanas e pântanos). Concluiu que a colaboração entre conservacionistas, povos indígenas e governos seria altamente benéfica para a proteção dos ecossistemas. Esta conclusão é ecoada por outros relatórios, incluindo um da Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES), que recomendou que o conhecimento dos povos indígenas e comunidades locais esteja envolvido em programas de prevenção pandémica.

Os povos indígenas também serão fundamentais para iniciativas que utilizam a abordagem One Health, que é endossada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e envolve a elaboração de programas e políticas locais, nacionais e globais que visam alcançar uma melhor saúde do planeta como um todo — pessoas, animais e meio ambiente.

Por exemplo, a Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica – órgão que gere o tratado global sobre a proteção da vida selvagem e das plantas – recomendou que políticas de proteção de habitats como é o caso das florestas, considerem o uso de recursos naturais por comunidades indígenas e locais, e que a saúde humana seja considerada na realização do restauro do ecossistema.

Proteger as florestas protege a saúde pública

A saúde humana também será um componente-chave da pesquisa que está a ser realizada por um novo painel global sobre florestas e saúde humana, convocado pela União Internacional das Organizações de Pesquisa Florestal. Morand, um dos membros do painel, explicou que considerará não apenas os aspetos negativos das florestas e doenças infeciosas para os Seres Humanos, mas também como proteger as florestas beneficia o bem-estar e a saúde das pessoas. "Acho que este trabalho realmente fornecerá evidências baseadas na ciência para a política sobre essa questão", disse ele.

 

“Proteger as florestas é crucial por muitas razões – e prevenir futuros surtos de doenças é uma delas. Agora, pessoas, empresas e governos estão a tornar cada vez mais conscientes do papel essencial que as florestas desempenham em todo o mundo. Como FSC, temos contribuído para a proteção das florestas e da biodiversidade há mais de 26 anos, e continuaremos com total dedicação. Juntos podemos trabalhar para proteger as “Florestas Para Todos Para Sempre”.

Kim Carstensen, Diretor Geral do FSC