icnfNo Ano Internacional da Sanidade Vegetal é de destacar a fitossanidade florestal entre todos os aspetos da gestão e da conservação da floresta que determinam a sua sustentabilidade. Quando se pensa em gestão responsável há que fazer referência, necessariamente, a práticas de prevenção e controlo de pragas, suportadas numa adequada prospeção e monitorização, que permita uma deteção precoce e uma adequada e atempada resposta. Mas há também um conjunto de oportunidades que conduzem a uma análise e gestão mais eficaz do risco fitossanitário.

Texto: Divisão de Fitossanidade Florestal/Departamento de Gestão e Valorização da Floresta do ICNF, I.P.


A fitossanidade florestal em Portugal
Os agentes bióticos nocivos que afetam a floresta portuguesa são, sobretudo, fungos ou insetos, destacando-se ainda o nemátodo-da-madeira-do-pinheiro dada a grande relevância do seu impacto económico e ecológico. Todos eles são, atualmente, designados de forma abrangente como pragas, um conceito que substituiu a designação de pragas e doenças por recomendação do Regulamento Comunitário 2016/2031, de 26 de outubro.
Os relatórios anuais da Conferência Interministerial para a Proteção das Florestas na Europa, “State of Europe’s Forest” (SEF), têm dado conta do crescimento da relevância das pragas entre os fatores que contribuem para o declínio da floresta. Em particular no que diz respeito às designadas “pragas emergentes”, para o crescimento das quais muito têm contribuído a livre circulação de pessoas e bens e as alterações climáticas. Fazer face a esta ameaça ao nível operacional e à escala da propriedade passa pela aplicação e observância de princípios gerais de silvicultura preventiva ou de controlo específico dirigido a determinadas pragas. Mas o âmbito da fitossanidade é muito mais abrangente, pela capacidade de dispersão das pragas e pela dimensão dos prejuízos causados, o que remete para a necessidade de:
i. uma atuação estratégica tendo por base os instrumentos de planeamento e de gestão existentes que integram as orientações da política setorial com a intervenção florestal ao nível da região e da propriedade, mas que obedecem às orientações de âmbito nacional do Programa Operacional de Sanidade Florestal, dos planos de ação dele decorrentes e do quadro legal que enquadra as questões da fitossanidade florestal;
ii. o envolvimento de diversas entidades pelas diferentes área de atuação, sobcoordenação da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF, I.P.), tal como ilustrado na Figura 1 (Entidades envolvidas no processo de implementação e controlo das medidas fitossanitárias, suas competências e estrutura organizacional e de coordenação).

A DGAV exerce funções de regulamentação, coordenação e controlo das atividades no domínio da fitossanidade e da proteção vegetal em geral. Pelas caraterísticas específicas da proteção e da monitorização de pragas florestais, estão atribuídas ao ICNF, I.P. a programação e a execução de programas e ações de controlo de pragas florestais, com destaque para o Plano de Ação Nacional para Controlo do Nemátodo-da-madeira-do-pinheiro (NMP); a inspeção fitossanitária e a garantia do cumprimento, pelos operadores profissionais, dos requisitos fitossanitários estabelecidos pela legislação nacional e supranacional. Sob responsabilidade do ICNF, I.P. está ainda a coordenação do Programa Nacional de Monitorização e a execução do Programa Nacional de Prospeção, no que se refere à prospeção e controlo de organismos de quarentena florestais existentes em Portugal e, bem assim, na deteção precoce dos não existentes, através da aplicação do Regime Fitossanitário Nacional. Na Figura 2, faz-se uma caraterização da operacionalização destas áreas de atuação do ICNF, I.P. sob a forma de indicadores de resultados calculados com a informação mais atual disponível à data. Recomenda-se a consulta ao Relatório de Execução do POSF e ao Relatório de Execução do Plano de Ação Nacional para Controlo do NMP, para mais informação.


Oportunidades na certificação florestal
A Estratégia Nacional para as Florestas identifica três áreas principais de atuação na proteção florestal:
i) a redução da vulnerabilidade a pragas através da redução da superfície florestal em mau estado vegetativo;
ii) o aumento da capacidade de deteção de agentes bióticos nocivos e o desenvolvimento de conhecimento sobre os mesmos e, por fim,
iii) a adoção rápida de medidas de controlo.

O alargamento da abrangência da atuação da Administração Pública nestas áreas tem vindo a ser reforçada com parcerias com entidades públicas e da sociedade civil reconhecidas como parceiros estratégicos, nomeadamente as Organizações de Produtores Florestais, uma vez que promovem ou mesmo operacionalizam elas próprias importantes componentes de diversos programas públicos de fomento e proteção dos recursos e espaços florestais. As medidas de apoio veiculadas pelo Fundo Florestal Permanente e o PDR2020, Programa Nacional de Monitorização e Operação 8.1.3, são exemplo desse reforço ao nível da prospeção e controlo, respetivamente. À margem destes apoios, ou de forma cumulativa, os Titulares de Certificado de gestão florestal responsável podem também contribuir significativamente para estas três áreas em mais de 400.000 hectares distribuídos pelos sistemas florestais mais representativos do território nacional.
A implementação de uma gestão florestal responsável remete para a adoção de práticas de silvicultura sustentáveis. A principal preocupação dos Titulares de Certificado deste tipo de gestão é manter os povoamentos florestais vigorosos e produtivos, adotando, para tal, as práticas de gestão mais adequadas e uma perspetiva de gestão adaptativa, assente em resultados de monitorização e numa abordagem proactiva à mitigação de riscos naturais como a ocorrência de pragas. Tal remete para o cumprimento de requisitos FSC® passíveis de enquadramento em tópicos da maior relevância no âmbito da fitossanidade florestal, como indicado no Quadro 3.
Optou-se aqui por não relevar o enquadramento normativo e legal associado ao indicador 1.5.1 dado tratar-se de um tema exaustivo, sobretudo no que diz respeito à transposição e /ou cumprimento de diretivas comunitárias. O seu âmbito mais alargado do que a gestão florestal, abarcando a produção de Materiais Florestais de Reprodução e a Cadeia de Custódia, justifica por si só um outro artigo.

Monitorização da condição dos recursos florestais
Vários agentes privados do setor têm procurado avaliar o estado fitossanitário dos seus espaços florestais através de inventários específicos, em particular nas áreas de eucaliptal sob gestão da indústria, nos sistemas florestais enquadrados nas medidas de apoio ao desenvolvimento rural e nas áreas com certificação florestal responsável. Por serem um complemento ao Programa Nacional de Prospeção, coordenado pela DGAV e ao Programa Nacional de Monitorização, sob coordenação do ICNF, I.P., são contributos da maior importância para um conhecimento mais rigoroso do estado fitossanitário da floresta nacional, da incidência das principais pragas, da sua evolução e, inclusive, para uma maior capacidade de deteção precoce.
Há dois aspetos por potenciar neste contributo: uniformização das metodologias de monitorização e produção de informação a partir de registos.
Relativamente ao primeiro aspeto, há a referir que existem já metodologias robustas, sendo que a mais recentemente implementada é a Metodologia expedita para monitorização de pragas florestais implementada no Programa Nacional de Monitorização. É necessário, todavia, atualizá-la e adaptá-la de forma a que possa ser utilizada como um referencial metodológico a nível nacional, tarefa a que o Grupo de Acompanhamento de Sanidade Florestal, responsável pelo acompanhamento do Programa Operacional de Sanidade Florestal se dedicará ainda este ano.
O ICNF, I.P. tem vindo a trabalhar numa abordagem ao segundo aspeto, sendo que mais recentemente tem vindo a articular-se com a DGAV na concetualização de um sistema de informação centralizador dos registos de fitossanidade vegetal, capaz de gerir dados e produzir informação de apoio aos alertas e à gestão de risco.

Planeamento das ações de controlo
As ações de controlo devem ser planeadas em estreita observância das recomendações que visam aumentar a sua eficácia em função do ciclo biológico de desenvolvimento das pragas, da espécie florestal e da área geográfica de intervenção. Os prós e os contras de cada uma das possíveis abordagens são ponderados aquando da tomada de decisão em relação ao método de controlo, sendo que a tendência é a de convergência com a Política dos Pesticidas do FSC de minimização do uso de químicos e dos seus impactos.
Na clarificação da forma como a implementação da Política de Pesticidas FSC se traduz em boas práticas de controlo fitossanitário muito tem contribuído o trabalho da Subcomissão 5 - GT3 Pesticidas do FSC. Todas as partes interessadas nela envolvidas têm agora o desafio de facilitar a implementação, a partir de dezembro do corrente ano, da decisão de restringir os produtos fitofarmacêuticos a uma lista de produtos submetidos a uma avaliação de risco ambiental e social (ESRA - Environmental and Social Risk Assessment).

Avaliação e monitorização do impacto das medidas de controlo cultural
Quando não existem métodos de luta alternativos, recorre-se à luta cultural, a qual atua diretamente nos hospedeiros reduzindo os níveis populacionais da praga. Atualmente é tipicamente implementada a pequena escala, com exceção das medidas de controlo do nemátodo-da-madeira-do-pinheiro ou medidas comunitárias para controlo de novos focos como está a acontecer com a bactéria Xylella fastidiosa. Nestes últimos casos, não tem havido uma abordagem sistemática à avaliação e monitorização dos impactos sociais, ambientais e económicos, mas são seguramente tópicos onde é importante integrar a experiência dos Titulares de Certificado.

Luta biológica
Apesar da sua utilização estar circunscrita, neste momento, ao controlo de pragas da maior relevância em eucaliptal e castanheiro, este tipo de luta tem suscitado inúmeras linhas de investigação, sendo que, das várias entidades do Sistema Nacional de I&D com relevantes contributos se destacam o RAIZ e o INIAV,I.P.
A integração com os requisitos da certificação da gestão florestal responsável obriga a um cuidado adicional na escolha dos inimigos naturais a introduzir, o que só pode ser feito depois de existirem estudos que deem garantia da capacidade de controlar o caráter invasor destas espécies e de implementar medidas mitigadoras de potenciais impactos. Subjacente, está também a necessidade de atender aos requisitos do DL 92/2019, de 10 de julho, relativo às exóticas.

Proteção Integrada
Neste tópico há naturalmente uma convergência de práticas entre as áreas não certificadas e as áreas certificadas, dado que a Proteção Integrada é de aplicação obrigatória no país desde janeiro de 2014. Nas áreas certificadas estão reunidas as condições, todavia, para um mais rápido avanço para aquilo que no Programa Operacional de Sanidade Florestal é referido como Planos de Proteção Integrada, os quais passam pela implementação de estratégias de vigilância periódica (particularmente em povoamentos de elevado risco), pela definição de sistemas de gestão adequados a cada caso concreto e recomendação de meios de luta (quando necessário) para controlar os agentes bióticos nocivos.


Sinergias para o futuro
A capacidade de antecipar o risco de deteção e dispersão de pragas, espoletando atempadamente ações preventivas e de controlo de forma a minimizar o impacto das pragas nos sistemas florestais, remete para competências da área da GRC - Governança, do Risco e da Conformidade (GRC). Trata-se de uma tendência de abordagem à Gestão do Risco que tem vindo a ganhar relevância entre as organizações que, face à incerteza e à necessidade de controlo do risco, se têm confrontado com processos de tomada de decisão mais complexos e mais escrutinados.
Gerar novo conhecimento é fulcral nesta abordagem à Gestão de Risco, seja pela via da avaliação de impactos seja pela via da monitorização e é neste aspeto que se perceciona a possibilidade de desenvolver sinergias da maior relevância entre gestão florestal responsável e fitossanidade florestal. Muitos Titulares de Certificado disponibilizam tempo, recursos e área em projetos de investigação e de desenvolvimento de soluções técnicas, sobretudo no âmbito de parcerias com entidades de investigação. Em alguns casos são mesmo instaladas parcelas permanentes e/ou áreas piloto, mas que muitas vezes não estão devidamente referenciadas, estão desarticuladas, as metodologias utilizadas não são comparáveis e os resultados são utilizados num âmbito muito restrito. Seria muito interessante que ações sob responsabilidade do ICNF, I.P., como o Programa Nacional de Prospeção e o Programa Nacional de Monitorização, fossem igualmente catalisadoras de uma rede de parcelas permanentes e áreas-piloto mais abrangente, devidamente referenciada e monitorizada de forma mais consistente e harmonizada, sendo os resultados de mais livre acesso.
Em suma, a área certificada presta-se a ser uma área de demonstração, a larga escala, de abordagens inovadoras e integradas ao controlo de pragas, apoiadas num significativo contributo em informação sobre a ocorrência destas e sobre os danos e prejuízos que lhe estão associados.